quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

o desejo, esse desconhecido

Encontro em minha vida milhares de corpos; desses milhares, posso desejar algumas centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro de que estou enamorado me designa a especialidade de meu desejo...

Foram necessários muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes (e talvez muitas pesquisas), para que eu encontrasse a Imagem que, entre mil, conviesse a meu desejo.

Este é um grande enigma do qual jamais descobrirei a chave: por que desejo Fulano? Por que o desejo duravelmente, langorosamente? Seria acaso todo ele que desejo (uma silhueta, uma forma, um jeito)?

Ou seria apenas um pedaço desse corpo? E nesse caso, o que, nesse corpo amado, tem vocação de fetiche para mim? Que porção, talvez incrivelmente tênue, que acidente? A forma de uma unha, um dente um pouco partido obliquamente, uma mecha, um modo de separar os dedos falando, fumando?

De todas essas dobras do corpo, tenho vontade de dizer que são adoráveis. Adorável quer dizer: isto é meu desejo, enquanto é único: “É isso! É exatamente isso (que eu amo!).”

Entretanto, quanto mais experimento a especialidade de meu desejo, menos posso nomeá-la...”

Roland Barthes - Fragmentos...Martins Fontes

Nenhum comentário:

Postar um comentário